1. O edital da licitação deve deixar explícito se o critério de aceitabilidade previsto no art. 59, inciso III, da Lei 14.133/2021 aplica-se somente ao preço global da proposta ou se, também, ao preço unitário dos itens.
Representação formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades no Pregão Eletrônico 90005/2024, realizado pelo Centro de Intendência Tecnológico da Marinha em São Paulo com vistas à contratação de “sistema para gerenciamento de ciclo de vida de produto (PLM) para desenvolvimento de meios navais complexos, incluindo implantação, configuração, migração de dados, assistência técnica, treinamento dos usuários, atualizações e evoluções”. O valor estimado da licitação não fora divulgado, configurando orçamento sigiloso, e adotara-se o critério de julgamento de menor preço por grupo. Entre os pontos suscitados, a representante alegou que o pregoeiro desclassificara sua proposta em razão de “os valores apresentados para os itens 1 e 2 estarem acima dos estimados”, mesmo ela tendo oferecido o menor preço global. Sua desclassificação teria, assim, ocorrido “sem considerar a possibilidade de negociação e fundamentada em acórdãos do TCU que tratariam de situações fáticas distintas”. Em sua instrução, a unidade técnica esclareceu que, durante a realização do certame, o pregoeiro informara à representante que os valores dos itens 1 e 2 estavam acima dos orçados pela Administração e questionara se a empresa teria condições de ajustá-los “de acordo com o limite estimado”. Na proposta da representante, os itens 1 e 2 totalizaram, respectivamente, R$ 11.800.000,00 e R$ 3.325.000,00, enquanto os preços de referência da Administração foram R$ 10.215.207,77 e R$ 1.800.000,00. A empresa respondera que poderia apenas “realocar os valores na proposta de preços, sem alteração no preço final”. Conforme apurado pela unidade instrutiva, mesmo após negociação, os preços unitários apresentados pela representante continuaram superiores aos estimados. Concluiu então que fora, sim, oportunizado à empresa o envio de nova proposta de preços com os valores corrigidos, em conformidade com a jurisprudência do TCU, que é no sentido de que erros no preenchimento da planilha de preços unitários não são motivo para a desclassificação de licitantes, quando a planilha puder ser ajustada sem majoração do preço global ofertado, a exemplo do Acórdão 898/2019-Plenário. A licitante seguinte foi então convocada e ofereceu proposta negociada no valor de R$ 16.118.943,00, inferior em R$ 1.156.057,00 ao valor apresentado pela representante (R$ 17.275.000,00). Posteriormente, já na fase recursal, a representante informou à Administração que poderia reduzir sua proposta para R$ 15.919.135,00, porém o novo valor, arrematou a unidade instrutiva, “foi apresentado intempestivamente, pois informado somente em sede de recurso administrativo, e não durante a devida fase negocial e de análise de propostas”. Em seu voto, anuindo ao entendimento da unidade técnica, o relator ressaltou que, na licitação em tela, fora “seguido o rito previsto na Lei 14.133/2021 e atendido o interesse público”. Observou, no entanto, que o edital trouxera a transcrição literal do art. 59, inciso III, da Lei 14.133/2021, mas sem deixar explícito se o critério de aceitabilidade seria aplicado somente ao preço global da proposta ou, também, ao preço unitário dos itens, “conforme prevê a jurisprudência deste Tribunal”. Tal fato, acrescentou o relator, ainda que não tenha interferido no resultado da licitação, “pode ter prejudicado a interpretação para que os licitantes já soubessem de antemão que os valores apresentados para cada item seriam utilizados como critério de aceitabilidade”, razão pela qual propôs fosse expedida ciência à unidade jurisdicionada. Acolhendo a proposição do relator, o Plenário decidiu, entre outras providências, cientificar o Centro de Intendência Tecnológico da Marinha em São Paulo sobre a seguinte impropriedade identificada no Pregão Eletrônico 90005/2024, visando à prevenção de outras semelhantes: “ausência de divulgação, no edital do certame, do critério de aceitabilidade com base nos valores apresentados para cada item licitado, ainda que com adjudicação por grupo, em desacordo com a jurisprudência do TCU, a exemplo do Acórdão 2.989/2018-TCU-Plenário”.
Acórdão 2190/2024 Plenário, Representação, Relator Ministro Augusto Nardes.
2. Nas licitações de obras e serviços de engenharia, quando adotado o critério de julgamento técnica e preço, deve-se pontuar a proposta técnica de acordo com a valoração da metodologia ou da técnica construtiva a ser empregada, e não somente pontuar a experiência anterior das licitantes.
Na fiscalização realizada pelo TCU nas obras de construção do Hospital do Câncer de Aracaju/SE, incluindo o processo licitatório e o contrato dele decorrente, lastreadas com recursos federais repassados por meio do Contrato de Repasse 0374150-15/2011, firmado entre o Ministério da Saúde e o Fundo de Saúde do Estado de Sergipe, foi constatada, entre outros achados de auditoria, a “utilização irregular do critério de julgamento de técnica e preço”. A licitação fora conduzida pela Companhia Estadual de Habitação e Obras Públicas de Sergipe (Cehop/SE), sob a égide da Lei 12.462/2011 (RDC), tendo sido adotada a modalidade de contratação integrada. A equipe de auditoria observou que, de acordo com o item 9 do termo de referência, que estabelecera o critério de julgamento de “técnica e preço”, a nota final (NF) resultaria do somatório da nota da proposta técnica (NPT), ponderada pelo fator 0,3, e da nota da proposta de preços (NPP), ponderada pelo fator 0,7. A NPT seria a soma da pontuação técnica relativa à empresa (PTempresa) e da pontuação técnica relativa à equipe (PTequipe), sendo que os licitantes deveriam alcançar ao menos 50% do total possível da NPT e não possuir nota zero para PTempresa (máximo de 40 pontos) ou PTequipe (máximo de 60 pontos). A regra de pontuação para PTempresa e PTequipe fora estabelecida do seguinte modo: “9.3.7 Qualificação da empresa LICITANTE: máximo de 40 (quarenta) pontos (PTempresa). 9.3.7.1 CRITÉRIO 1: Atestados Comprobatórios de experiência da EMPRESA com no máximo 30 (trinta) pontos para os itens de 1 a 7, e no máximo 10 (dez) pontos para o item 8 e serão pontuados até 5 (cinco) atestados. A licitante não poderá apresentar nota zero nos itens 1 a 8 da Tabela C1: (…) 9.3.8 Qualificação da Equipe Técnica, máximo de 60 (sessenta) pontos (PTequipe). Cada profissional deve comprovar mediante atestado haver executado serviços de características semelhantes ao edital, identificando as parcelas de maior relevância e valor significativo. 9.3.8.1 CRITÉRIO 2: A equipe técnica deverá apresentar atestados de acordo com a Tabela C3. O critério 2 computará no máximo 48 (quarenta e oito) pontos e serão avaliados no máximo 4 (quatro) atestados por item, e a licitante não poderá apresentar nota zero nos itens 1 a 8 da Tabela C3. As categorias usadas para o Critério 2 estão apresentadas na Tabela C2. (…) 9.3.8.2 CRITÉRIO 3: Pontuação do coordenador e/ou supervisor de projeto e/ou obra. A LICITANTE deverá demonstrar que possui profissional com vínculo com a empresa. A pontuação máxima do coordenador e/ou supervisor de projeto e/ou obra será de 12 (doze) pontos, em consonância com a Tabela C4”. Por sua vez, as tabelas C1 a C4 referenciadas exigiam “comprovações de execuções pretéritas ou tempo de experiência de profissionais”. De acordo com a equipe de fiscalização, o Edital de Licitação RDC Cehop/SES-SE 1/2020, no item 9 do Termo de Referência, adotara o critério de julgamento “técnica e preço” sem definir “valoração de aspectos relacionados ao objeto da licitação”, como a metodologia a ser empregada ou a técnica construtiva proposta, baseando-se tão somente na experiência anterior dos licitantes. Tal prática, conforme a equipe, contrariara as seguintes disposições da Lei 12.462/2011 (grifos no relatório de auditoria): “Art. 9º Nas licitações de obras e serviços de engenharia, no âmbito do RDC, poderá ser utilizada a contratação integrada, desde que técnica e economicamente justificada e cujo objeto envolva, pelo menos, uma das seguintes condições: (…) § 3º Caso seja permitida no anteprojeto de engenharia a apresentação de projetos com metodologias diferenciadas de execução, o instrumento convocatório estabelecerá critérios objetivos para avaliação e julgamento das propostas. (…) Art. 20. No julgamento pela melhor combinação de técnica e preço, deverão ser avaliadas e ponderadas as propostas técnicas e de preço apresentadas pelos licitantes, mediante a utilização de parâmetros objetivos obrigatoriamente inseridos no instrumento convocatório. § 1º O critério de julgamento a que se refere o caput deste artigo será utilizado quando a avaliação e a ponderação da qualidade técnica das propostas que superarem os requisitos mínimos estabelecidos no instrumento convocatório forem relevantes aos fins pretendidos pela administração pública, e destinar-se-á exclusivamente a objetos: (…)”. O relatório assinalou, ainda, que a doutrina especializada “leciona no mesmo sentido, trazendo detalhamentos e reflexões sobre a própria razão de ser dos dispositivos legais. Conforme ensinam Benjamin Zymler e Laureano Canabarro Dios (Regime Diferenciado de Contratações – RDC, 3ª Edição, p. 124-128, 2014, Belo Horizonte, editora Fórum), a qualificação técnica constante da habilitação dos licitantes é limitada a rol taxativo de atestados, podendo não ser suficiente para obter a melhor proposta para os interesses da administração. Assim, quando, excepcionalmente se busca avaliar outras características da proposta técnica, é possível a adoção do critério técnica e preço, que também possui limitações de aplicação. Segundo os autores, a licitação do tipo ‘técnica e preço’ deve ser excepcional e adotada quando o objeto: i) tenha natureza predominantemente intelectual; ii) comporte inovação tecnológica ou técnica; iii) possa ser executado por diferentes metodologias; iv) demande tecnologias de domínio restrito no mercado; ou v) comporte metodologias com diferentes níveis em termos de sustentabilidade ambiental”. Para a equipe de auditoria, restou claro que, embora a Administração tenha alegado “buscar a adoção de diferentes metodologias e a maior sustentabilidade ambiental”, mediante o uso da contratação integrada prevista no RDC, e apesar de esses objetivos “serem justificantes” da adoção do critério de técnica e preço, os fatores ensejadores de pontuação técnica não possuíam conexão com tal propósito, tratando apenas de experiência pretérita dos licitantes. E, caso algum licitante apresentasse proposta com metodologia construtiva mais eficiente ou sustentável que a prevista no anteprojeto, “não obteria qualquer vantagem frente a qualquer concorrente que atendesse apenas aos requisitos mínimos de metodologia e sustentabilidade”, haja vista que apenas a sua experiência pretérita seria valorada. Nesse cenário, não haveria incentivos que induzissem o atingimento dos objetivos invocados para justificar a “adoção do RDC do tipo técnica e preço”. Em verdade, ressaltou o relatório, o modelo adotado “tratou de fazer um balanceamento entre a experiência pretérita da licitante (questão afeta à habilitação técnica) com a proposta de preços”, configurando “modalidade não prevista na legislação”. A equipe também frisou que o modelo colocado em prática afrontara a jurisprudência do TCU, a exemplo dos Acórdãos 622/2018, 1167/2014, 1510/2013 e 1388/2016, todos do Plenário, os quais reforçam a importância de critérios claros e objetivos na avaliação das propostas e, especialmente, a necessidade de valoração da metodologia ou da técnica construtiva a ser empregada, e não somente a pontuação individual decorrente da experiência dos licitantes ou de seus responsáveis técnicos, quando se tratar do critério de técnica e preço. Nesse sentido, transcreveu o seguinte excerto do voto condutor do supracitado Acórdão 1510/2013-Plenário: “Conforme já explicitado, esses critérios podem ser de qualidade, produtividade, rendimento, durabilidade, segurança, prazo de entrega, economia ou outro benefício objetivamente mensurável, a ser necessariamente considerado nos critérios de julgamento do certame. A coerência com a lógica do regime impõe essa valoração, à época do julgamento. Se não existe vantagem, afinal, em atribuir a solução para contratada (capaz de ser pontuada e comparada), que a própria administração o faça – e por um preço menor”. Na situação sob exame, a ausência de critérios que medissem efetivamente as propostas técnicas impedira a comparação entre as propostas, sendo possível, em tese: “(i) contratar proposta que tinha o menor preço e mesmo assim não configurava a mais vantajosa para a administração; ou (ii) contratar proposta que não tinha o menor preço e também não apresentava qualquer vantagem técnica em relação às demais – o que parece ter sido o caso da licitação comento”. Concluiu então a equipe de auditoria que o critério de técnica e preço fora utilizado de maneira irregular, sem valorar aspectos técnicos, mas apenas experiência pretérita dos licitantes, em afronta aos arts. 9º, § 3º, e 20, § 1º, incisos I e II, da Lei 12.462/2011. Nada obstante haver “riscos relevantes à administração” quando da adoção do critério de julgamento “técnica e preço” em que os critérios técnicos “abordem exclusivamente o passado dos licitantes” e não as metodologias, técnicas e tecnologias a serem adotadas, mas, por outro lado, considerando que o preço contratado continha desconto em relação ao referencial da Administração, e que a qualidade da construção alinhou-se aos requisitos do edital e memoriais descritivos, não se mostrava“imperiosa a responsabilização individual ou a adoção de medidas coercitivas quanto a essa irregularidade”, sendo suficiente para fins de reorientar a atuação administrativa, consoante o relatório, “cientificar os jurisdicionados a respeito do fato”. Por derradeiro, a equipe externou o seu entendimento de que, “apesar de a Lei do RDC ter sido revogada pela Lei 14.133/2021, esta manteve a inteligência acerca do critério de técnica e preço, conforme explicita seu art. 36”, que assim dispõe:“Art. 36: O julgamento por técnica e preço considerará a maior pontuação obtida a partir da ponderação, segundo fatores objetivos previstos no edital, das notas atribuídas aos aspectos de técnica e de preço da proposta. § 1º O critério de julgamento de que trata o caput deste artigo será escolhido quando estudo técnico preliminar demonstrar que a avaliação e a ponderação da qualidade técnica das propostas que superarem os requisitos mínimos estabelecidos no edital forem relevantes aos fins pretendidos pela Administração nas licitações para contratação de: (…)”. Em seu voto, anuindo às considerações aduzidas pela equipe de auditoria, o relator endossou a existência de falhas nos critérios utilizados para a mensuração da proposta técnica dos licitantes, isso porque os critérios se concentraram apenas na experiência pretérita dos interessados e de seus profissionais, sem qualquer valoração sobre o objeto da licitação, a metodologia a ser empregada ou a técnica construtiva proposta. Desse modo, “a licitação não propiciou comparações de caráter técnico entre as propostas dos licitantes, mas sim, apenas uma análise comparativa entre o acervo técnico de cada um, ou seja, aplicando de maneira inadequada o julgamento da técnica e preço”. Quanto à legislação de regência e à jurisprudência do TCU sobre a matéria, o relator reforçou serem elas “claras” ao indicar que o julgamento pela técnica e preço demanda uma comparação da metodologia ou da técnica construtiva a ser empregada e não, somente, a pontuação individual decorrente da experiência profissional dos licitantes ou de seus responsáveis técnicos. Assim sendo, o relator propôs, e o Plenário decidiu, entre outras medidas, cientificar a Companhia Estadual de Habitação e Obras Públicas de Sergipe, bem como a Secretaria de Saúde do Estado de Sergipe, sobre a seguinte ocorrência na licitação das obras de construção do Hospital do Câncer de Aracaju/SE: “utilização do critério de julgamento técnica e preço sem o estabelecimento de parâmetros objetivos para valoração das propostas técnicas, baseando-se apenas na experiência anterior das licitantes, o que infringe os arts. 9º, § 3º, e 20, § 1º, incisos I e II, ambos da Lei 12.462/2011, vigente à época do certame, bem como a jurisprudência do TCU, a exemplo dos Acórdãos 1.510/2023, 1.167/2014, 1.388/2016 e 622/2018, todos exarados pelo Plenário desta Corte de Contas”.
Acórdão 2107/2024 Plenário, Auditoria, Relator Ministro Vital do Rêgo.