INFORMATIVO TCU 446 – Licijur – Consultoria em Licitações e Contratos

INFORMATIVO TCU 446

1 – Não se enquadra na vedação prevista no art. 9º, inciso III, da Lei 8.666/1993 a contratação de empresa que tenha, na condição de sócio cotista, servidor do órgão contratante sem capacidade para influenciar o resultado da licitação e sem atribuições ligadas à gestão ou à fiscalização do contrato.
Representação formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades no Contrato 217/2018, celebrado pela Superintendência da Diretoria de Administração e Logística do Ministério da Economia no Estado de São Paulo, cujo objeto era a “prestação de serviços de perícias médicas em psiquiatria e perícias médicas em especialidades diversas, a serem realizadas por Junta Médica, composta por 3 profissionais médicos”. O autor da representação alegou, em síntese, que: a) um dos sócios da empresa contratada possuiria vínculo com a Administração Pública Federal desde 2006, sendo detentor do cargo de perito médico federal, o qual fazia parte, originalmente, da carreira de perito médico previdenciário e integrava o quadro de pessoal do INSS; b) após a promulgação da MP 871/2019, convertida na Lei 13.846/2019, os integrantes da carreira de perito médico federal passaram a se vincular ao Ministério da Economia, por força do art. 19 da referida norma; c) atualmente, os peritos médicos federais integram o quadro de pessoal do Ministério do Trabalho e Previdência, em virtude da alteração promovida na aludida norma pelo art. 10 da Lei 14.261/2021; e d) considerando que aquele sócio da contratada permanece vinculado diretamente à União, a contratação em apreço violaria o art. 9º, inciso III, da Lei 8.666/1993. No âmbito da unidade técnica, foi promovida a oitiva da Superintendência da Diretoria de Administração e Logística do Ministério da Economia no Estado de São Paulo, bem como da empresa contratada, para que se manifestassem sobre “a manutenção do Contrato 217/2018 e a celebração de três aditivos contratuais de prorrogação de vigência do mencionado instrumento, considerando que, a partir de 18/1/2019 (data da edição MP 871/2019), a contratação se mostrava irregular, por violar o art. 9º, III da Lei 8.666/1993”. Após analisar as justificativas encaminhadas, a unidade instrutiva concluiu que a representação deveria ser considerada procedente, por ter havido infração ao art. 9º, inciso III, da Lei 8.666/1993, durante o período de 18/1/2019 a 27/7/2021, uma vez que um dos sócios da contratada era detentor do cargo de perito médico federal, que integrava o quadro de pessoal do Ministério da Economia, órgão contratante. Ponderou, no entanto, que o mencionado ajuste não mais se encontrava em situação de ilegalidade, porquanto o cargo de perito médico passara a integrar o quadro de pessoal do Ministério do Trabalho e Previdência, por força do art. 10 da Lei 14.261/2021. Nesse cenário, defendeu não ser adequada a anulação do contrato ou a vedação à sua prorrogação, haja vista o déficit de pessoal capacitado para realizar as perícias médicas, fundamentais às atividades do Ministério da Economia, estando assim presente o risco de dano reverso. Ademais, invocou o art. 147 da Lei 14.133/2021 (nova Lei de
Licitações e Contratos Administrativos), que determina análise consequencial de eventual anulação de contrato, “não obstante a norma não seja aplicável à avença, já que o certame fora realizado com base nas Leis 8.666/1993 e 10.520/2002”. Em seu voto, o relator entendeu que não subsistia a irregularidade noticiada. Para tanto, julgou oportuno transcrever, preliminarmente, o conteúdo do art. 9º da Lei 8.666/1993: “Art. 9º. Não poderá participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de obra ou serviço e do fornecimento de bens a eles necessários: I – o autor do projeto, básico ou executivo, pessoa física ou jurídica; II – empresa, isoladamente ou em consórcio, responsável pela elaboração do projeto básico ou executivo ou da qual o autor do projeto seja dirigente, gerente, acionista ou detentor de mais de 5% (cinco por cento) do capital com direito a voto ou controlador, responsável técnico ou subcontratado; III – servidor ou dirigente de órgão ou entidade contratante ou responsável pela licitação. […] § 3º Considera-se participação indireta, para fins do disposto neste artigo, a existência de qualquer vínculo de natureza técnica, comercial, econômica, financeira ou trabalhista entre o autor do projeto, pessoa física ou jurídica, e o licitante ou responsável pelos serviços, fornecimentos e obras, incluindo se os fornecimentos de bens e serviços a estes necessários. § 4º O disposto no parágrafo anterior aplica -se aos membros da comissão de licitação”. Na sequência, pontuou que a Lei 8.666/1993 proíbe a participação indireta de servidor em licitação promovida pelo órgão ao qual está vinculado, mas não disciplina como essa participação indireta seria configurada, e que, pela literalidade da norma, o § 3º somente se aplica ao autor do projeto, pessoa física ou jurídica, e aos membros da comissão de licitação, neste caso, por força do § 4º. Segundo o relator, “a lei não é clara se um servidor do órgão contratante, que não seja membro da comissão de licitação e que possua vínculo de natureza técnica, comercial, econômica, financeira ou trabalhista com uma empresa contratada, a exemplo de alguém que seja sócio cotista desta, incorre na vedação do art. 9°, caput c/c o inciso III, da Lei 8.666/1993”. Nesse cenário, a definição do que vem a ser participação indireta, no caso de servidor do órgão contratante, estaria a merecer interpretação. Em sua visão, o art. 9º da referida norma “quis evitar situações que pudessem caracterizar conflito de interesses em contratações públicas. Dito de outra forma, ele buscou afastar do certame e da execução do contrato todos os licitantes que tivessem alguma vinculação com alguém capaz de influenciar o resultado da licitação ou com atribuições ligadas à gestão ou à fiscalização do ajuste ”. Para o relator, tal interpretação estaria coerente com o teor do art. 14, inciso V, da Lei 14.133/2021, que vem a ser o dispositivo equivalente ao que se encontrava sob análise. Conforme a referida disposição, não podem disputar licitação ou participar da execução de contrato, direta ou indiretamente: “V – aquele que mantenha vínculo de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista ou civil com dirigente do órgão ou entidade contratante ou com agente público que desempenhe função na licitação ou atue na fiscalização ou na gestão do contrato, ou que deles seja cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, devendo essa proibição constar expressamente do edital de licitação;”. Em seguida, o relator frisou que, embora não seja adequado interpretar o alcance da lei anterior com base no texto da nova, a comparação entre os dispositivos “sugere uma certa evolução do legislador, no sentido de tornar mais clara a hipótese de conflito de interesses no âmbito das contratações públicas”. Por essa razão, “o novel estatuto pode ser usado como inspiração para a solução do presente caso concreto, por revelar uma solução razoável”. Considerando então que, durante o período da suposta ocorrência da ilegalidade, aquele sócio cotista da empresa contratada estava vinculado à Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, unidade administrativa distinta da que promoveu a licitação e geriu o contrato, qual seja, a Superintendência da Diretoria de Administração e Logística, integrante da estrutura da Secretaria de Gestão Corporativa, ambas do Ministério da Economia, o relator concluiu não restar configurada a vedação prevista no art. 9º, inciso III, da Lei 8.666/1993, motivo pelo qual, divergindo do posicionamento da unidade técnica, compreendeu que a representação deveria ser considerada improcedente. Ao final do seu voto, assinalou que, ainda que fosse adotada outra exegese do art. 9°, inciso III, da Lei 8.666/1993, no sentido de que estaria vedada a participação indireta de qualquer servidor do Ministério da Economia na contratação em exame, por força do § 3º do mesmo artigo, a eventual anulação do Contrato 217/2018, ou mesmo a proibição de sua prorrogação, iria ensejar custos administrativos ao Ministério da Economia para promover nova licitação, em um contexto em que a situação de irregularidade não mais persistiria. Isso porque, complementou o relator, houvera nova reestruturação na carreira de perito médico federal, de sorte que, atualmente, aquele sócio está vinculado a outro órgão, o Ministério do Trabalho e Previdência. O Plenário acolheu o entendimento do relator e decidiu considerar improcedente a representação.

Acórdão 2099/2022 Plenário, Representação, Relator Ministro Benjamin Zymler

2 – A atribuição, ao pregoeiro, da responsabilidade pela elaboração do edital cumulativamente às tarefas de sua estrita competência afronta o princípio da segregação de funções e não encontra respaldo no art. 3º, inciso IV, da Lei 10.520/2002 nem no art. 17 do Decreto 10.024/2019.
Representação formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades no Pregão Eletrônico 16/2020, promovido pelo Comando da Aeronáutica para contratação de empresa especializada em “serviços de manutenção preventiva e corretiva de veículos especiais e elos do Sistema de Prevenção e Combate a Incêndio da Força Aérea, em todo o território nacional”. Entre as irregularidades suscitadas, mereceu destaque a “elaboração do edital de pregão pela pregoeira, contrariando o artigo 3º, inciso IV, da Lei 10.520/2002, o artigo 17 do Decreto federal 10.024/2019” e os Acórdãos 3.381/2013 e 2.448/2019, ambos do Plenário. Em resposta à oitiva realizada nos autos, o órgão promotor do certame argumentou que, “ao elaborar o edital, a pregoeira não teria se imiscuído na elaboração das premissas mais sensíveis para a contratação, visto que tais condições fazem parte do Termo
de Referência, elaborado por agente diverso”
, e que, portanto, “não haveria quebra do princípio da segregação de funções”. Ao analisar tal argumentação, a unidade instrutiva pontuou que, além de ir de encontro à
jurisprudência do TCU, a elaboração do edital pelo pregoeiro aumenta os riscos oriundos da atribuição de atividades sensíveis à mesma pessoa, que, no caso em análise, seria “a de propor as regras da licitação e posteriormente julgar o certame segundo essas regras por ela mesma elaboradas”. Além disso, entendimento doutrinário estaria a apontar que, embora não haja, na lei do pregão, atribuição ao pregoeiro para elaborar o edital, “tal ausência não impede que a atribuição seja delegada ao pregoeiro pela autoridade superior ou pelo regulamento interno da organização” e que assim “haveria vantagem nesta delegação, pelo potencial aproveitamento da expertise do pregoeiro para o aperfeiçoamento da minuta”; essa mesma doutrina alerta que “há também um risco, pela ausência de segregação de funções entre o gestor da licitação (responsável pela condução do certame) e o autor das regras que balizarão o procedimento competitivo”. Em reforço ao seu posicionamento, a unidade técnica trouxe mais um argumento doutrinário, segundo o qual “não se encontra entre as atribuições exclusivas do pregoeiro a responsabilidade pela confecção e assinatura do Edital de Licitação, então, não é sua competência fazer, muito menos assinar”, e, caso ele venha a confeccionar o edital, “assumirá a responsabilidade por uma atribuição que não é sua e nem conferida legalmente”. Por fim, a unidade instrutiva assinalou que o Acórdão 686/2011-Plenário não recomenda designar, para compor a comissão de licitação, o servidor que atua na fase interna do procedimento licitatório, em observância ao princípio da segregação das funções, o qual “estabelece que o Agente Público que edita determinado ato, com vistas à sua imparcialidade no julgamento, não deve ser também responsável pela sua fiscalização”. Em seu voto, anuindo ao entendimento esposado pela unidade técnica, o relator enfatizou que a elaboração do edital do pregão “não se inclui entre as atribuições do pregoeiro, nos termos dos normativos que regem a matéria, além disso viola o princípio da segregação de funções, que deve permear toda a administração pública, sobretudo o processo de contratação, pois possibilita o controle das etapas do processo de pregão por setores/instâncias distintos”. Ao final, acolhendo a proposição do relator, o Plenário decidiu dar ciência ao Centro de Aquisições Específicas do Comando da Aeronáutica, com vistas à prevenção de outras ocorrências semelhantes, que a elaboração do edital pela pregoeira contrariou o art. 3º, inciso IV, da Lei 10.520/2002, o art. 17 do Decreto 10.024/2019 e os Acórdãos 3.381/2013 e 2.448/2019, ambos do Plenário.

Acórdão 2146/2022 Plenário, Representação, Relator Ministro Aroldo Cedraz.

Leia o Informativo completo aqui.

Artigos Relacionados

×

Olá!

Clique abaixo para conversar pelo WhatsApp ou mande e-mail para contato@licijur.com.br

×