Contratos Administrativos e o problema do atraso nos pagamentos por parte da Administração Pública. A partir de quando o contratado tem direito à correção monetária dos valores? – Licijur – Consultoria em Licitações e Contratos

Contratos Administrativos e o problema do atraso nos pagamentos por parte da Administração Pública. A partir de quando o contratado tem direito à correção monetária dos valores?

Considerando o ramo de atuação deste escritório, frequentemente nos deparamos com nossos clientes, informando que possuem contratos com a Administração Pública e que muitos dos seus pagamentos estão em atraso.

Este atraso, na maioria das vezes, ocorre da seguinte forma: a empresa executa uma parcela do contrato, o fiscal do contrato realiza a medição in locuo e autoriza a emissão da Nota Fiscal, essa Nota Fiscal é protocolada perante o órgão público acompanhada dos documentos necessários (o que normalmente já leva alguns dias ou semanas) e, então, o órgão público demora dias, semanas e até meses para efetuar o pagamento. Sabemos que muitas vezes a própria medição in locuo leva alguns dias, mas este artigo presta-se a analisar o mundo ideal de como os eventos administrativos deveriam ocorrer, salientando-se que cada caso deve ser analisado minuciosamente de acordo com suas particularidades.

Não bastasse, muitas vezes os próprios contratos administrativos firmados entre as partes possuem cláusulas que contribuem para a demora no pagamento, impondo ao contratado arcar com a espera pela burocracia do contratante, como, por exemplo, cláusulas que determinam, que “o pagamento será efetuado até o 30º (trigésimo) dia após a data do protocolo da fatura”, “o pagamento será efetuado até o 30º (trigésimo) dia após a liquidação da despesa”, “0 pagamento será efetuado até o 30º (trigésimo) dia seguinte ao último dia de sua execução, mediante apresentação da fatura”, dentre outras.

Dito isso, cumpre salientar que é direito dos contratados o recebimento pelos serviços prestados, conforme consignado no artigo 37, inciso XXI da Constituição Federal:

as obras, serviços, compras e alienações serão contratadas mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia
do cumprimento das obrigações. (grifo nosso)

A legislação infraconstitucional também obriga o contratante a pagar pelos serviços prestados na data prevista, do que depreende-se ser necessário o pagamento da correção monetária e dos juros decorrentes do atraso nos pagamentos. Neste sentido, veja-se o artigo 40, inciso XIV, alínea “a”, da antiga Lei 8.666/93:

Art. 40. O edital conterá (…)
(…)
XIV – condições de pagamento prevendo:
a) prazo de pagamento não superior a trinta dias, contado a partir da data final do período de adimplemento de cada parcela;

Veio neste mesmo sentido a redação da Nova Lei de Licitações:

Art. 92. São necessárias em todo contrato cláusulas que estabeleçam:
V – o preço e as condições de pagamento, os critérios, a data-base e a periodicidade do reajustamento de preços e os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das
obrigações e a do efetivo pagamento;
VI – os critérios e a periodicidade da medição, quando for o caso, e o prazo para liquidação e para pagamento;

Pois bem.

Como este imbróglio acerca dos atrasos nos pagamentos e das cláusulas contratuais sobre o prazo de pagamento redigidas em favor do órgão público não é assunto novo, os Tribunais de Justiça e o próprio Superior Tribunal de Justiça trataram de pacificar o entendimento acerca do marco inicial para a contagem do atraso nos pagamentos quando o caso é levado ao Poder Judiciário, com o intuito de evitar as delongas burocráticas intencionais por parte dos Órgãos Públicos.

Já é pacífico o entendimento jurisprudencial no sentido de que se considera não escrita a cláusula contratual que prevê o pagamento pelos serviços executados a partir da apresentação da respectiva fatura/protocolo das notas fiscais ou qualquer outra condição, devendo incidir a correção monetária a contar da medição, e os juros de mora, decorrido o prazo de 30 (trinta) dias de tal data. Vale colacionar o entendimento neste sentido

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CÍVEL. REJULGAMENTO DETERMINADO PELO STJ. SANAÇÃO DO VÍCIO APONTADO. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS AO PODER PÚBLICO MUNICIPAL. PAGAMENTO EM ATRASO. EXIGÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DAS FATURAS. DESCABIMENTO. MEDIÇÃO. ADIMPLEMENTO DA OBRIGAÇÃO. CARACTERIZAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS. INCIDÊNCIA. Em se tratando de ação de cobrança, objetivando o pagamento de correção monetária e juros de mora sobre parcelas pagas em atraso em sede de contrato administrativo de prestação de serviço, o art. 40, inc. XIV, alínea ‘a’, quando combinado com o art. 73, inc. I, e com o art. 55, inc. II, todos da Lei de Licitações, conduz à conclusão de que a obrigação de pagar se opera depois da medição, e não após a apresentação da fatura. Entende-se como não escrita a cláusula contratual que preveja pagamento de contrato administrativo a partir da apresentação da respectiva fatura/protocolo das notas fiscais. Assim, a correção monetária há de incidir a contar da medição, e os juros de mora, decorrido o prazo de 30 dias de tal data. Apuração de valores que fica submetida à liquidação. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS, COM ATRIBUIÇÃO DE EFEITOS INFRINGENTES. (Embargos de Declaração Cível, Nº 70075218982, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Torres Hermann, Julgado em: 28-09-2022

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO E CONTRATOS. AÇÃO DE COBRANÇA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS AO PODER PÚBLICO MUNICIPAL. PAGAMENTO EM ATRASO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS. temas 905 do stj e 810 do stf. EMENDA CONSTITUCIONAL 113/2021, TAXA SELIC. sucumbência mantida. 1. Tratando-se de ação de cobrança objetivando o pagamento de correção monetária e juros de mora sobre parcelas pagas em atraso em sede de contrato administrativo de prestação de serviço, o artigo 40, XIV, alínea ‘a’, quando combinado com o artigo 73, I, e com o artigo 55, II, todos da Lei de Licitações – em vigência até a extinção do vínculo negocial -, conduz à conclusão de que a obrigação de pagar se opera depois da medição, e não após a apresentação da fatura ou da “ultimação da liquidação da despesa”. Entende-se como não escrita a cláusula contratual, na linha da jurisprudência do e. STJ, que preveja pagamento de contrato administrativo a partir da apresentação da respectiva fatura/protocolo das notas fiscais. 2. Caso em que, havendo a produção de prova pericial, apurou-se o período de mora nos pagamentos de acordo com as previsões editalícias/contratuais acerca do termo final da obrigação de pagar, sem que houvesse a interposição de recurso pela parte autora, cumprindo, em razão disso, a manutenção da apuração contida em sentença, até para evitar a ocorrência de “reformatio in pejus”, sem que assista razão ao ente público quanto à insurgência. Artigos 394, 395 e 397 do Código Civil. Índice oficial de remuneração da caderneta de poupança e a correção monetária pelo IPCA-E (Temas 905 do STJ e 810 do STF). 3. Reforma da sentença necessária para que se assegure a incidência da taxa Selic a partir da entrada em vigor da EC 113/2021, para efeito de correção monetária e juros de mora. 4. Manutenção dos ônus sucumbenciais fixados na origem, em atenção ao princípio da
sucumbência e do artigo 85, §3º, do Código de Processo Civil. Precedentes. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME. Apelação Cível Nº 5006692-18.2017.8.21.0019/RS, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Torres Hermann, Julgado em: 20/06/2024)

É neste mesmo sentido o entendimento da Corte Superior:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. LICITAÇÕES E CONTRATOS. CONTRATO ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 489 E 1.022 DO CPC/2015. NÃO OCORRÊNCIA. TESES REJEITADAS NO ACÓRDÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. PREVISÃO CONTRATUAL. APRESENTAÇÃO DAS FATURAS. ILEGALIDADE. CLÁUSULA NÃO-ESCRITA. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. PRIMEIRO DIA APÓS O VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO. PRECEDENTES. PEDIDO DE AFASTAMENTO DOS HONORÁRIOS RECURSAIS. INVIABILIDADE. AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. 1. Necessário consignar que o presente recurso atrai a incidência do Enunciado Administrativo 3/STJ: “Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC”. 2. O mero julgamento da causa em sentido contrário aos interesses e à pretensão de uma das partes não caracteriza a ausência de prestação jurisdicional tampouco viola o art. 1.022 do CPC/2015. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 3. A jurisprudência do STJ firmou orientação no sentido de que nos contratos administrativos, para fins de correção monetária, deve ser considerada “não-escrita” a cláusula que estabelece prazo para pagamento a data da apresentação das faturas (protocolo das notas fiscais), porquanto o prazo para pagamento, nos termos dos arts. 40 e 55 da Lei nº 8.666/93, não pode ser superior a 30 dias contado a partir da data final do período de adimplemento da obrigação, que ocorre com a medição. 4. “De acordo com a jurisprudência da Corte Especial do STJ,”é devida a majoração da verba honorária sucumbencial, na forma do art. 85, §11, do CPC/2015, quando estiverem presentes os seguintes requisitos, simultaneamente: a) decisão recorrida publicada a partir de 18.3.2016, quando entrou em vigor o novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no feito em que interposto o recurso. […] ( AgInt no AREsp 1111767/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 24/08/2020, DJe 28/08/2020) 5. Agravo conhecido para negar provimento ao recurso especial. (STJ – AREsp: 1703305 RS 2020/0116820-0, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 06/10/2020, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: De 28/10/2020

Desta feita, considerando o respaldo jurisprudencial atual acerca do tema, é possível afirmarmos que deve ser considerada não escrita qualquer cláusula que estabeleça um prazo administrativo para pagamentos dos contratados diverso de trinta dias contados a partir da data final do período de adimplemento da obrigação, o que ocorre com a medição dos serviços prestados/executados.

No caso de existência de cláusula em sentido diverso do posicionamento firmado, mostra-se viável, ao ver deste escritório, o ajuizamento da ação correspondente perante o Poder Judiciário, para fins de anular (considerar não escrita) a cláusula, e reconhecer o direito do contratado em receber os consectários legais decorrentes do atraso nos pagamentos contabilizados a partir do trigésimo dia após a medição.

Por fim, reitera-se que para o sucesso na demanda é necessário que as peculiaridades e as particularidades de cada caso sejam analisadas de maneira minuciosa juntamente do conjunto probatório acerca da situação.

PRISCILA JARDIM
OAB/RS 126.157

MAURÍCIO GAZEN
OAB/RS 71.456

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