Informativo TCU 488 – Licijur – Consultoria em Licitações e Contratos

Informativo TCU 488

1. Admite-se, nas contratações por postos de serviço regidas pela Lei 14.133/2021, a fixação de salários em valores superiores aos pisos estabelecidos em convenções coletivas de trabalho, desde que observados os seguintes requisitos: i) justificativa técnica de que os serviços demandam, por suas características e particularidades, a execução por profissional com nível de qualificação acima da média; e ii) realização de pesquisa de preços demonstrando a compatibilidade com os valores de mercado para contratações similares, ou seja, comprovação de que no mercado existe tal distinção salarial em função da qualificação do trabalhador.

Representação formulada ao TCU apontou supostas irregularidades no Pregão Eletrônico 262/2023, realizado pelo Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos da Fundação Oswaldo Cruz (Bio-Manguinhos/Fiocruz), cujo objeto era a “prestação de serviços de apoio administrativo e técnico, acessórios e instrumentais aos processos de produção, qualidade, desenvolvimento tecnológico e gestão no ramo de imunobiológicos (vacinas, reativos para diagnóstico, biofármacos, e outros insumos/serviços estratégicos em saúde de interesse do Sistema Único de Saúde – SUS)”, pelo período de 24 meses. Mediante a referida licitação, regida pela Lei 14.133/2021 (nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos) e tendo como critério de julgamento o menor preço global, a entidade pretendia, em essência, a contratação de 2.315 postos de trabalho, divididos em 315 diferentes perfis de mão de obra. Entre as irregularidades suscitadas, mereceu destaque a “fixação de piso salarial mínimo acima da média de mercado”. Após analisar a resposta da entidade contratante à oitiva prévia promovida pelo Tribunal, a unidade técnica posicionou-se pela “insuficiência da justificativa para a adoção de salários acima do piso salarial da categoria”, razão por que propôs a realização de diligência para obtenção de “dados sobre evasão e rotatividade observados em contratações anteriores que fundamentaram a adoção de salários acima do piso salarial da categoria no âmbito do Pregão Eletrônico 262/2023”. Cogitou ainda o “chamamento futuro dos responsáveis, após o saneamento dos autos”. Em seu voto, o relator divergiu da proposição oferecida pela unidade instrutiva, pois, para ele, o processo já se encontrava em condições de ser apreciado no mérito. Nesse sentido, registrou, preliminarmente, que o referido pregão “visa à contratação de serviços essenciais, por mão de obra com dedicação exclusiva, cuja prestação deve ser assegurada de forma continuada”, sob pena de se colocar em risco o funcionamento e a operação de Bio-Manguinhos/Fiocruz e, por consequência, o abastecimento da rede pública de saúde. Enfatizou ainda que o certame impugnado “busca alocar trabalhadores especializados na produção e distribuição de imunobiológicos para prevenção (vacinas), tratamento (biofármacos) e diagnóstico de doenças (reativos), parte deles não oferecidos por laboratórios privados, além de outros insumos/serviços estratégicos em saúde de interesse do Sistema Único de Saúde, tais como a implementação de medidas para o enfrentamento de crises sanitárias”. Ademais, pontuou que tais serviços estariam sendo supridos por um contrato emergencial de seis meses, com termo final em 2/7/2024, que poderia ser prorrogado uma única vez, pelo mesmo período, “faltando, destarte, poucos meses para o término da sua vigência”, o que exigiria uma decisão célere por parte do Tribunal. Especificamente quanto à planilha de custos e formação de preços, ele concluiu que os esclarecimentos apresentados pela Fiocruz poderiam ser considerados suficientes para justificar os valores orçados para os serviços. A corroborar sua assertiva, invocou a jurisprudência do TCU, segundo a qual é possível, excepcionalmente, na contratação por postos de serviço, a fixação de salários em valores superiores aos pisos estabelecidos em convenções coletivas de trabalho, desde que observados os seguintes requisitos: i) justificativa técnica de que os serviços demandam, por suas características e particularidades, a execução por profissional com nível de qualificação acima da média; e ii) realização de pesquisa de preços demonstrando a compatibilidade com os valores de mercado para contratações similares, ou seja, comprovação de que no mercado existe tal distinção salarial em função da qualificação do trabalhador. Conforme o relator, no caso em exame, a entidade conseguira comprovar que os salários fixados na planilha de custos e formação de preços foram estipulados com base em pesquisa de mercado realizada em indústrias do ramo farmacêutico, levando-se em conta a natureza das atividades desenvolvidas em Bio-Manguinhos pelas diferentes categorias profissionais e a necessidade de desempenho dos serviços almejados por profissionais “com habilitação e/ou experiência superior aos das categorias remuneradas pelo piso salarial, ante a complexidade e a diversidade das atividades a serem executadas”. Acerca da comparação entre os valores mensais estimados do sobredito contrato emergencial e do Pregão Eletrônico 262/2023, a Fiocruz teria esclarecido as diferenças existentes, entre as quais: a) “o Pregão Eletrônico 262/2023 atualizou o salário base, de acordo com a pesquisa salarial do mercado farmacêutico, ao passo que o valor do contrato emergencial é sujeito à atualização, por meio de repactuação”; e b) “o valor mensal do contrato emergencial deverá sofrer alteração em razão da data base da categoria ocorrer em março, mês a partir do qual a contratada fará jus à repactuação que resultará na majoração dos salários, com o correspondente reflexo nos demais itens da planilha de custos e formação de preços, conforme art. 135 da Lei 14.133/2021”. A partir de tais argumentos e à luz das informações contidas no processo, o relator manifestou-se pela “inexistência de elementos de convicção suficientes para se concluir pela insuficiência/inadequação da quantificação dos serviços e da orçamentação dos custos unitários realizadas pela entidade e, por conseguinte, do valor mensal estimado para a contratação em exame”, no que foi acompanhado pelos demais ministros que participaram do julgamento.

Acórdão 1589/2024 Plenário, Representação, Relator Ministro Augusto Nardes.

2. Nas contratações de serviços continuados com dedicação exclusiva de mão de obra regidas pela Lei 14.133/2021, os atestados de capacidade técnica devem comprovar a aptidão do licitante na gestão de mão de obra, e não na execução de serviços idênticos aos do objeto licitado, sendo imprescindível motivar tecnicamente as situações excepcionais, sob pena de afronta aos princípios da legalidade, da competitividade e da isonomia entre os licitantes.

Representação formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades no Pregão Eletrônico 262/2023, realizado pelo Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos da Fundação Oswaldo Cruz (Bio-Manguinhos/Fiocruz), cujo objeto era a “prestação de serviços de apoio administrativo e técnico, acessórios e instrumentais aos processos de produção, qualidade, desenvolvimento tecnológico e gestão no ramo de imunobiológicos (vacinas, reativos para diagnóstico, biofármacos, e outros insumos/serviços estratégicos em saúde de interesse do Sistema Único de Saúde – SUS)”, pelo período de 24 meses. Mediante a referida licitação, regida pela Lei 14.133/2021 (nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos) e tendo como critério de julgamento o menor preço global, a entidade pretendia, em essência, a contratação de 2.315 postos de trabalho, divididos em 315 diferentes perfis de mão de obra. Entre as irregularidades indicadas, mereceu destaque a “previsão de exigências restritivas de qualificação técnica”. Após analisar a resposta da entidade contratante à oitiva prévia promovida pelo Tribunal, a unidade técnica posicionou-se pela presença dos pressupostos do perigo da demora e da fumaça do bom direito, não vislumbrando o perigo da demora reverso, razão pela qual propôs o deferimento da medida cautelar pleiteada na representação, além de diligência à entidade para obtenção, entre outras informações, das razões de inabilitação de três licitantes no certame, mais especificamente, “quais subitens do Edital do PE 262/2023 que foram descumpridos por cada uma das empresas […], indicando o ponto exato, o qual tenha sido o motivo da inabilitação, encaminhando cópia dos documentos e análises pertinentes”. Mediante despacho exarado em 19/1/2024, o qual foi ratificado pelo Acórdão 61/2024-Plenário, o relator acolheu a proposta da unidade instrutiva e determinou à Bio-Manguinhos/Fiocruz a “suspensão do andamento do Pregão Eletrônico 262/2023”, até que o Tribunal deliberasse sobre o mérito da matéria. À época, a licitação se encontrava na fase de análise, pelo pregoeiro, da planilha de custos e formação de preços, e dos demais documentos previstos no edital, em relação à quarta licitante mais bem classificada. Após examinar as manifestações acostadas aos autos pela entidade em resposta à nova oitiva realizada, a unidade técnica concluiu que os esclarecimentos oferecidos lograram descaracterizar os indícios de irregularidades relativos à “previsão de exigências restritivas de qualificação técnica”. Em seu voto, o relator discordou dessa conclusão, especificamente por conta das seguintes exigências dispostas no item 7.19 do edital: “7.19.2. Comprovação de aptidão para execução de serviço de complexidade tecnológica e operacional equivalente ou superior com o objeto desta contratação, por meio da apresentação de certidões ou atestados emitidos por pessoas jurídicas de direito público ou privado. 7.19.2.1. Para fins da comprovação de que trata este subitem 7.19.2, os atestados deverão dizer respeito a contratos executados com as seguintes características mínimas: 7.19.2.1.1. Serviços de apoio administrativo e técnico às atividades de desenvolvimento tecnológico ou produção industrial no segmento farmacêutico e/ou veterinário, com a disponibilização de mão de obra dedicada de forma exclusiva, por período não inferior a dois anos. 7.19.2.1.2. O atestado/certidão a que se refere o subitem acima deverá comprovar o quantitativo mínimo de 1.157 (mil, cento e cinquenta e sete) postos de trabalho, correspondente a 50% (cinquenta por cento) do quantitativo total de postos de trabalho, objeto desta licitação. Será admitido o somatório de atestados ou certidões para fim de comprovação do quantitativo mínimo exigido neste item, desde que os serviços (contratos) tenham sido executados de forma concomitante. Os atestados de capacidade técnica podem ser apresentados em nome da matriz ou da filial da empresa licitante”. O relator chamou a atenção para o fato de que, por meio do subitem 7.19.2.1.1, fora requerida comprovação específica de qualificação técnica em “atividades de desenvolvimento tecnológico ou produção industrial no segmento farmacêutico e/ou veterinário”, como condição para habilitação no certame, ou seja, “aptidão relativa à atividade a ser contratada”. Ponderou, no entanto, que, segundo entendimento jurisprudencial consolidado no TCU, nas licitações para contratação de serviços continuados com dedicação exclusiva de mão de obra, os atestados de capacidade técnica devem comprovar a aptidão da licitante na gestão de mão de obra, e não na execução de serviços idênticos aos do objeto licitado, sendo imprescindível motivar tecnicamente as situações excepcionais. Mencionou, a título de exemplo, os “Acórdãos 1.168/2016, 553/2016, 1.443/2014 e 1.214/2013, do Plenário, e 744/2015, da 2ª Câmara”. Isso porque, continuou o relator, consoante previsto no art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, nas contratações públicas, somente seriam permitidas exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações contratadas, sob pena de restrição indevida ao caráter competitivo do certame. Ao retomar o caso concreto, destacou que “as três melhores propostas foram desclassificadas em razão do descumprimento de exigências editalícias, sendo a 2ª e a 3ª colocadas devido, especificamente, ao não atendimento do disposto no item 7.19.2.1.1 do edital”. Frisou, todavia, que a segunda colocada apresentara atestados que, em princípio, poderiam comprovar o atendimento aos requisitos de qualificação técnica, quais sejam, “capacidade da licitante na gestão de mão de obra no quantitativo (1.157 postos) e período (dois anos) mínimos exigidos, conforme item 7.19.2.1.2 do edital”. Da mesma forma, os atestados apresentados pela terceira colocada também poderiam, conforme o relator, comprovar a observância aos aludidos requisitos. Destarte, ao exigir identidade entre o serviço licitado e os demonstrados pelos licitantes nos atestados de capacidade técnica, “o item 7.19.2.1.1 do edital licitatório caracterizou exigência ilegal, com afronta aos princípios da legalidade, da competitividade e da isonomia entre os licitantes e ao entendimento jurisprudencial consolidado por este Tribunal (Acórdãos 1.168/2016, 553/2016, 1.443/2014 e 1.214/2013, do Plenário, e 744/2015, da 2ª Câmara, dentre outros), além de ter colocado em risco o caráter competitivo do certame, devendo, por esse motivo, ser suprimido”. E ressaltou que não foram apresentadas justificativas fundamentadas para tal exigência, “tanto na fase interna da licitação como perante este Tribunal”. Ao final, o relator propôs, e o Plenário decidiu, “revogar a medida cautelar ratificada pelo Acórdão 61/2024-TCU-Plenário, possibilitando-se o prosseguimento do Pregão Eletrônico 262/2023 após a exclusão da exigência constante do item 7.19.2.1.1 do edital licitatório, com vistas à aceitação da comprovação da prestação de serviço de gerenciamento de mão de obra, compatível em prazos, características e quantidades com o objeto do certame, devendo o processo licitatório retornar à fase de habilitação, para que sejam reexaminados os atestados apresentados em conformidade com a legislação aplicável à espécie e a jurisprudência pacificada deste Tribunal”. Outrossim, a fim de que venham a ser adotadas pela Fiocruz medidas com vistas à prevenção de irregularidades semelhantes em suas futuras licitações, o Pleno decidiu cientificar a entidade sobre a ocorrência constatada no Pregão Eletrônico 262/2023: “exigência de atestados de capacidade técnica que comprovem aptidões relativas às atividades a serem contratadas e não à habilidade da licitante na gestão de mão de obra, sem a necessária demonstração técnica dessa necessidade, afrontando os princípios da legalidade, da competitividade e da isonomia entre os licitantes e em desacordo com as diretrizes do entendimento jurisprudencial consolidado por este Tribunal (Acórdãos 1.168/2016, 553/2016, 1.443/2014 e 1.214/2013, do Plenário, e 744/2015, da 2ª Câmara, dentre outros)”.

Acórdão 1589/2024 Plenário, Representação, Relator Ministro Augusto Nardes.

Artigos Relacionados

×

Olá!

Clique abaixo para conversar pelo WhatsApp ou mande e-mail para contato@licijur.com.br

×