Confira artigo produzido pela equipe da Licijur
O presente informativo visa clarear alguns aspectos a respeito da possibilidade de transferência da capacidade técnica operacional para outra empresa. Será abordada a forma como esse procedimento deve ser feito para que a outra empresa (cessionária) de fato possa utilizar esses atestados sem que haja eventuais impugnações da administração durante o procedimento licitatório ou até mesmo impugnações judiciais. Por fim, será demonstrado como é o entendimento recente do Tribunal de Justiça Gaúcho a respeito desse assunto.
A nossa posição acerca da presente temática, sobretudo em razão de experiências profissionais, é que há sim a possibilidade de se proceder com a transferência do acervo técnico para outra empresa, por meio da cisão empresarial. Todavia, para além dos atestados, deve-se atentar para determinados elementos de ordem subjetiva. Explica-se.
Apenas para título introdutório, entende-se por atestado de capacidade técnica profissional o documento que atesta/comprova que determinada empresa possui profissionais com experiência anterior no objeto a ser licitado, ao passo que o atestado de capacidade técnica operacional diz respeito a experiência que a empresa em si possui na execução de determinado objeto.
Conforme já anunciado, é por meio de uma cisão empresarial que será possível transferir o acervo técnico. Contudo, a doutrina e a jurisprudência, conforme será melhor visto adiante, têm o entendimento de que não basta somente a cisão dos atestados (papéis), é necessário que, para além dos atestados, a detentora dos documentos também transfira junto parte da cultura organizacional da empresa, o que garantirá de fato que o procedimento não seja considerando uma compra e venda de atestados, pura e simples, isto é, afasta-se a possibilidade de se considerar uma mera comercialização de atestados, o que não é permitido em procedimentos licitatórios.
A transferência dessa parte da cultura organizacional significa dizer que a transferência técnica operacional deve ser seguida da transferência, ainda que temporária, dos responsáveis técnicos de cada atestado, ou seja, os recursos humanos (pessoas físicas) os quais de fato detém o know-how da empresa. Dessa forma, com a soma desses dois elementos (objetivo e subjetivo), estar-se-á diante de uma efetiva transferência do acervo técnico, juntamente com parte da cultura empresarial, o que afasta a ideia de uma pura e simples comercialização de atestados.
Segundo o Tribunal de Contas, há uma complexidade estrutural nas empresas, o que faz surgir a afirmação de que a simples transferência de recursos humanos ou materiais que concorreram para o sucesso de uma empresa “x” ensejará o sucesso de uma empresa “y”. Por conta disso, os resultados da transferência de acervo técnico realizada terão que ser analisados em cada caso concreto. Normalmente, essa análise acontece no procedimento de licitação, momento este que não há espaço para erros ou questionamentos. A comissão, portanto, deve verificar a documentação e, por simples apreciação, deverá constatar que todo o procedimento de cisão e integralização do acervo na nova empresa aconteceu em conformidade com a Lei.
Dessa forma, o TCU (acórdão n.º 2.444/2012) em um caso submetido para análise, pontuou 03 (três) grandes tópicos para aceitação da transferência de acervos, quais seja:
- a ocorrência de transferência do patrimônio tangível juntamente com parcelas do conjunto subjetivo de variáveis que concorram para a formação da cultura organizacional da empresa cedente;
- a existência de tratamento expresso, no negócio jurídico que tenha formatado a operação reestruturante, quanto à divisão de acervo técnico da empresa; e
- a existência de total compatibilidade entre os responsáveis técnicos que constam no acervo transferido e o responsável técnico da empresa cessionária.
Dessa forma, buscando uma didática para o presente informativo, tem algumas fases que devem ser obedecidas, buscando sobretudo cumprir com as exigências do item número 2 do TCU. Logo, há alguns passos a serem realizados tanto pela empresa cedente quanto pela empresa cessionária, tudo no intuito de manter a transparência no processo de transferência desse acervo.
No que diz respeito a empresa cedente, esta deverá, primeiro, patrocinar uma avaliação dos atestados. Afinal, está-se diante de um histórico de anos de trabalho e, sim, para fins de transferência desse acervo, necessariamente tem-se que passar um por processo de avaliação e valoração. O valor não poderá ser irrisório nem astronômico, mas sim representar fielmente o valor que aqueles documentos representam, sobretudo porque serão objeto de integralização em outra empresa, por meio do capital social, o que será visto quanto tratado pela cessionária.
Continuando, após a cedente auferir os valores, por meio de profissional capacitado para tanto, deverá proceder com a alteração do seu contrato social, afinal a empresa cedente estará tendo um decréscimo no seu patrimônio em razão da cisão. Todo esse processo deverá ser muito bem registrado nos atos constitutivos da empresa cedente perante a respectiva Junta Comercial. A cisão, conforme já dito, não poderá ser somente dos atestados propriamente ditos, mas também dos recursos humanos, nomeadamente materializados nos responsáveis técnicos de cada atestado.
Por sua vez, a empresa cessionária, procederá também com uma alteração do contrato social, afinal agora terá um novo sócio (empresa cedente) e seu capital social (cessionária) terá um aumento por conta do acervo técnico outrora avaliado e agora integralizado à empresa cessionária. Assim como aconteceu com a empresa cedente, todo esse processo de alteração deverá ser devidamente registrado na Junta Comercial competente, dando publicidade a terceiros interessados, sobretudo aos órgãos públicos os quais estarão procedendo com licitações.
Caso a empresa, então, proceda da forma estabelecida acima, cumprindo com as exigências, entende-se que haverá uma facilidade no que diz respeito à aceitabilidade dos atestados pela comissão de licitação, por exemplo, ou até mesmo será fácil a manutenção da argumentação, no Poder Judiciário, caso haja alguma impugnação por uma empresa licitante (o que é bem comum) diante desse contexto.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, no processo de apelação n.º 70077754018, afirma que
restou caracterizada a operação de cisão parcial, haja vista que os documentos anexos à exordial, quanto às alterações aventadas no contrato social da apelada, denotam a transferência do acervo patrimonial da empresa cindida – incluindo atestados de capacitação técnico-operacional – resultante da participação da sociedade na integralização do capital social da autora.
A transferência de atestados de capacidade técnica entre pessoas distintas não é operação que pode ser realizada de modo indiscriminado, sob pena de frustrar o próprio condão da fase de habilitação nos processos licitatórios, que consiste na apuração concreta e efetiva das qualidades empresariais do licitante, tais como a estrutura administrativa da empresa, seus métodos organizacionais, seus processos internos de controle de qualidade, o entrosamento da equipe, dentre outros.
ortanto, todo o cuidado reunido em um só lugar, como visto, ainda é pouco!
Para exemplificar isso, há julgado do TCU (TC 003.334/2012-0) neste sentido, que bem exemplifica a situação de cautela ora vocacionada:
Admitir que a transmissão de experiência ocorresse a partir de um ato negocial de cessão de acervo técnico é o mesmo que aceitar, numa extrapolação do fato ocorrido, que uma empresa com 50 anos de experiência na execução de obras, possa, mediante a simples assinatura de um ato de alienação de atestados, ou, de forma similar, mediante a subscrição integral de ações, transformar 5 empresas recém criadas em 5 empresas com 10 anos de experiência, aptas a participar de licitações públicas no dia seguinte ao negócio jurídico realizado, e daí competir com outras empresas que demoraram um longo período de tempo para adquirir experiência na execução do objeto licitado. Tal interpretação, por conduzir ao absurdo, deve, portanto, ser rechaçada.
(…)
Dessa forma, estando associado ao conjunto de pessoas físicas que enfrentou desafios e problemas e os resolveu através da conjugação de seus esforços comuns, seguindo uma filosofia empresarial da empresa da qual esse conjunto de pessoas faz parte, o acervo técnico utilizado na licitação em análise é atributo indissociável do conjunto de pessoas que compõe a qualificação técnica operacional e instrumento de extrema importância para comprovar que a empresa, como unidade jurídica e econômica, participara anteriormente de contrato cujo objeto era similar ao previsto para a contratação almejada pela Administração Pública.
Dessa forma, haverá de se demonstrar, para efeito de admitir a aptidão técnico-operacional da empresa originada da cisão parcial, a perfeita linha de continuidade em termos de conhecimento técnico e padrão de qualidade que se verifica entre as empresas cindida e incorporadora. Isso porque a concepção que orientou a criação da cindenda precisa decorrer da experiência adquirida pelo corpo técnico da empresa cindida.
Não menos importante, a saída da empresa cedente da empresa então cessionária, poderá acontecer a qualquer tempo, desde que toda a saída seja devidamente registrada nos atos constitutivos e registrada na Junta Comercial, sobretudo a sua eventual venda de cotas, afinal a empresa cedente integralizou determinada quantia materializada em acervos técnicos e a sua saída deverá acontecer pela venda, por exemplo, de sua cota parte do capital social. Esse procedimento de venda — e é comum — poderá acontecer para qualquer um dos sócios da empresa cessionária e o pagamento poderá ser feito em dinheiro ou materializado em outro tipo de bem, desde que seja possível sua avaliação.
Portanto, buscando atender a todos os requisitos objetivos, subjetivos e formais ora trabalhados neste informativo, entende-se ser possível proceder com a cisão e transferência do acervo técnico. Reitera-se que o maior interessado nesse estudo não é a empresa cedente propriamente dita, mas sim a cessionária, empresa que deverá tomar todas as cautelas possíveis para que, de fato, não venha a arcar com consequências danosas em um procedimento licitatório o qual tenha sido, por exemplo, desabilitada por não ter se desimcumbido do ônus probatório de sua qualificação técnica.