O artigo 3º, caput, da Lei Federal n.º 8.666/1993 estabelece que a licitação tem a finalidade de garantir a observância, entre outros, do princípio da seleção da proposta mais vantajosa para a Administração Pública e do princípio do desenvolvimento nacional sustentável.
A proposta mais vantajosa para a Administração Pública contratante nem sempre será simplesmente aquela detentora do menor preço. Afora terem custos adequados, os produtos e os serviços contratados pelos entes públicos devem, necessariamente, ter boa qualidade e serem confiáveis. De nada serve contratar produtos ou serviços com preços extremamente reduzidos, verdadeiras barganhas, porém inadequados para atender as necessidades do poder público.
O desenvolvimento nacional sustentável, na forma de princípio, indica a necessidade de serem contratados pela Administração Pública produtos e serviços aptos a favorecerem a preservação do meio ambiente, sem lhe causar danos. A avaliação desse aspecto leva em consideração fatores como gasto energético e materiais utilizados na produção e na execução dos objetos contratados pelos entes licitantes.
O Decreto Federal n.º 7.746/2012 regulamenta o artigo 3º da Lei Federal n.º 8.666/1993, com o fito de instituir “critérios e práticas para promoção do desenvolvimento nacional sustentável nas contratações realizadas pela Administração Pública. De acordo com artigo 4º, inciso III, do diploma em tela, consideram-se critérios e práticas sustentáveis, entre outros, “maior eficiência na utilização de recursos naturais como água e energia”.
Ainda conforme o Decreto Federal n.º 7.746/2012, pode a Administração Pública “exigir no instrumento convocatório para a aquisição de bens que estes sejam constituídos por material renovável, reciclado, atóxico ou biodegradável, entre outros critérios de sustentabilidade.” Mais adiante, o artigo 8º, caput, daquele mesmo texto normativo diz o seguinte: “A comprovação das exigências apresentadas no instrumento convocatório poderá ser feita por meio de certificação emitida ou reconhecida por instituição pública oficial ou instituição credenciada ou por outro meio definido no instrumento convocatório.” [grifo nosso]
Nem sempre os diversos órgãos da Administração Pública possuem seus próprios critérios e métodos de avaliação de produtos e de serviços sob o ponto de vista da sustentabilidade. Isso decorre, em geral, da complexidade desses exames e da consequente necessidade de possuir estruturas físicas e bases de conhecimento para os levar a efeito. Diante de tal realidade, a melhor opção dos entes contratantes é basear-se em sistemas de avaliação e de certificação já estabelecidos e tradicionais. O Selo Procel de Economia de Energia, de confiabilidade reconhecida, faz parte de um desses sistemas e é muito utilizado como referência.
O Selo Procel de Economia de Energia tem como objetivo servir como ferramenta simples e eficaz para permitir a distinção, entre os equipamentos e eletrodomésticos vendidos no mercado, daqueles mais eficientes e que menos consomem energia elétrica. O Selo Procel foi criado pelo Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica – Procel e instituído por Decreto do Poder Executivo Federal em 8 de dezembro de 1993.[1] O Procel, conforme a Portaria Interministerial n.º 1.877/1985, que o instituiu, destina-se a:
[…] integrar as ações visando à conservação de energia elétrica no País, dentro de uma visão abrangente e coordenada, maximizando seus resultados e promovendo um amplo espectro de novas iniciativas, avaliadas à luz de de um rigoroso teste de oportunidade, prioridade e economicidade.
Criado o Selo Procel, firmaram-se parcerias com o Inmetro, associações de fabricantes, pesquisadores de universidades e laboratórios, com o objetivo de estimular a disponibilidade de equipamentos cada vez mais eficientes no mercado brasileiro.[2]
Os equipamentos candidatos a receber o Selo Procel de Economia de Energia devem ser submetidos a testes em laboratórios previamente habilitados a os realizar. Para embasar os ensaios, são estabelecidos índices de consumo e de desempenho para cada categoria de equipamento. Somente os produtos capazes de atingir os índices instituídos recebem o Selo Procel.[3]
O Selo Procel de Economia de Energia é utilizado largamente no Brasil, podendo-se vê-lo aposto nos melhores equipamentos comercializados nas lojas do país inteiro. Reconhecidamente, o distintivo em pauta influencia para bem as escolhas dos consumidores, sejam pessoas físicas sejam pessoas jurídicas, e guia as seleções feitas pelos gestores dos entes públicos.
O Selo Procel é importante referência avaliativa de produtos elétricos adquiridos pela Administração Pública. Não por menos, os mais diversos editais de licitações estatuem preferência à compra de equipamentos detentores da certificação em comento. A segurança garantida por aquele certificado é manifesta. Não há, hoje, no Brasil, melhor atestado de qualidade de equipamentos elétricos do que o Selo Procel de Economia de Energia.
O Tribunal de Contas da União considera legítimas as exigências editalícias de distintivos de eficiência energética nos equipamentos a serem adquiridos pela Administração Pública, desde que não haja vinculação a certificações específicas. Esse foi o entendimento registrado no Acórdão TCU n.º 1305/2013-Plenário, referente a julgamento no qual se reputou “louvável” o intento de órgão público contratante “de adquirir aparelhos com níveis adequados de eficiência energética, em consonância com o objetivo de promover o desenvolvimento nacional sustentável, na forma prevista no art. 3º da Lei de Licitações.”
No Acórdão n.º 1752/2011-Plenário, o Tribunal de Contas da União, em sede de auditoria operacional das ações adotadas pela Administração Pública Federal quanto ao uso racional e sustentável de recursos naturais, recomendou à Eletrobras a ampliação de seu programa Procel EPP perante a Administração Pública Federal. Além do mais, a mesma decisão recomendou ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão incentivar “órgãos e instituições públicas federais a implantarem programas institucionais voltados ao uso racional de recursos naturais, […].” Notável, assim, a premência do cuidado com a natureza e com o uso dos recursos naturais, obrigação de todos, conjunto de ideias que tem nas instituições públicas valiosos meios de difusão.
As exigências editalícias de determinadas certificações ou qualificações técnicas é da própria natureza do procedimento competitivo. Isso é verdade não apenas para o requisito do Selo Procel – quando se trate de licitar equipamentos elétricos -, mas também para as certificações referentes a todos os outros tipos de produtos ou de serviços a serem licitados. Trata-se de cautela imprescindível, prestando-se a resguardar os entes públicos da contratação de produtos ou de serviços de baixa qualidade, assegurando a boa aplicação dos recursos financeiros públicos. Nesse sentido, considere-se a seguinte lição, de Hamilton Bonatto[4]:
A Constituição da República, em seu art. 37, XXI, […], exige que haja igualdade entre todos os licitantes, porém isto não implica uma forma de igualdade tão absoluta que garanta à Administração a melhor contratação. Implica sim dizer que, em nome do interesse público, em função da necessidade de contratar empresas que reúnam as condições mínimas necessárias para o cumprimento do contrato a ser firmado, com a execução da obra com qualidade e no tempo esperado, a Administração pode e deve fazer exigências às empresas, dentro de critérios razoáveis e compatíveis com o objeto a ser contratado.
Assim, assegura-se o cumprimento do Princípio da Isonomia, não de forma que todos possam participar do pleito, mas sim, de maneira que todos que reúnam determinadas condições e cumpra determinados pré-requisitos possam fazê-lo. Esses requisitos devem ser estabelecidos, como já dito, em cada caso específico. [grifo nosso]
Pertinente ao assunto sob análise, o Acórdão TCU n.º 1687/2013-Plenário aponta a existência de posicionamento pacífico na corte no sentido da possibilidade de a Administração Pública exigir determinada norma como critério de qualificação técnica. Outrossim, explana-se no decisum que dita força de exigência liga-se ao poder discricionário do administrador.
A ligação da faculdade da Administração Pública estabelecer requisitos de qualificação técnica estar ao poder discricionário do administrador deve-se à necessidade de o agente possuir liberdade para avaliar quais critérios são úteis em cada situação concreta. É graças a essa licença que o administrador pode selecionar, em cada caso, quais são os melhores critérios a serem exigidos, sempre objetivando atender o interesse público da melhor maneira possível. Se não fosse assim, muito limitadas seriam as escolhas dos gestores, que restariam presos a opções predeterminadas, dificultando a persecução do interesse público nas contratações de bens e de serviços.
O Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região teve seu edital de Pregão Eletrônico n.º 15/2020, promovido para adquirir lâmpadas LED, impugnado por exigir que os produtos licitados possuam o Selo Procel. Em seu arrazoado, a empresa impugnante alegou que um tal requisito seria, além de ilegal, capaz de restringir o caráter competitivo da licitação. Apesar da veemência das alegações da empresa impugnante, o tribunal não as acolheu. No julgamento, decidiu-se o seguinte: “[…] há de se manter as cláusulas e condições do Termo de Referência, por se entender cuidar-se de especificação de caráter técnico, tendo em vista a qualidade do objeto que se destina obter com a exigência do ‘Selo Procel’”.
Do julgamento do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região acima mencionado, interessantes são os considerandos feitos para o embasar, muitos deles em linha com o já demonstrado nesta análise. Aduz a corte que, na qualidade de consumidora, deve sempre prezar por adquirir produtos aptos a contribuírem para o combate ao desperdício de energia e para a redução de impactos ambientais. Na mesma linha de raciocínio, fixa ser insuficiente e irrazoável “buscar tão somente a proposta mais vantajosa em termos econômicos e desconsiderar parâmetros que norteiam a eficiência energética e a promoção da preservação do meio ambiente.”
O tribunal trabalhista em tela aponta, com justeza, que, para obter o Selo Procel, “o produto deve ser submetido a ensaios específicos em laboratório idôneo, indicado pelo PROCEL, com critérios pré-estabelecidos em cartilhas específicas.” Esses parâmetros não são aferíveis pela corte quando da compra do produto, razão pela qual depende ela da certificação em pauta, como referência, a fim de fazer de escolher os melhores produtos dentre os ofertados.
Inexistem impeditivos para que todo e qualquer fabricante busque a certificação de seus produtos com o Selo Procel. Para obter o reconhecimento, basta candidatar-se, mediante submissão do equipamento elétrico produzido aos testes pertinentes. Sendo aprovados, os aparelhos receberão o selo; caso não o sejam, poderão ser aperfeiçoados pelo fabricante e, então, novamente testados. A liberdade para aperfeiçoar os próprios produtos é ampla e pode ser exercida por todos os fabricantes, em múltiplas tentativas.
Os critérios avaliativos para concessão do Selo Procel de Economia de Energia são rigorosos e precisos, o que justifica a tranquilidade com a qual a certificação é acolhida e respeitada em âmbito nacional. Se não pudessem contar com a certificação sob análise, os órgãos públicos teriam inúmeras dificuldades para avaliar a qualidade dos equipamentos elétricos necessários ao desempenho de suas atividades, sujeitando-se a adquirir produtos ineficientes.
A exigência do Selo Procel em licitações para compra de equipamentos elétricos é imprescindível para que a Administração Pública não se veja obrigada a adquirir, em certames do tipo menor preço, equipamentos de qualidade sabidamente ruim. Essa eventualidade há de ser evitada, pois representa perigos e prejuízos tanto sob o aspecto financeiro quanto sob o de segurança. Impugnar edital de licitação com o objetivo de derrubar a exigência do Selo Procel significa tentar forçar o poder público a investir mal e arriscadamente, o que vem sendo tentado por algumas empresas.
Muitos processos de licitação para compras de equipamentos elétricos, especialmente de lâmpadas, vêm tendo seus editais impugnados por exigirem, como requisito de qualificação técnica, que os produtos possuam o Selo Procel. Essa é uma prática de certas empresas que tentam forçar a Administração Pública a adquirir produtos ineficientes e de baixa qualidade cujo único atrativo é o preço reduzido. Essa tendência não pode ganhar força. As competições públicas e a qualidade dos produtos licitados devem ser mantidos em alto nível, assegurando-se a aquisição de equipamentos detentores da melhor relação de custo-benefício possível.
A necessidade de selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração Pública é guiada pelo princípio da eficiência, norma de observância obrigatória por todos os entes públicos, conforme determina o caput do artigo 37 da Constituição da República de 1988. O conteúdo do princípio em comento impõe ao agente público fazer o máximo com o menor gasto possível de recursos, sobretudos os econômicos, sabidamente escassos.
O Programa Nacional de Conservação de Energia – Procel, com os instrumentos por intermédio dos quais é levado a efeito, tais como o Selo Procel de Economia de Energia, é importante forma de concretização do princípio da eficiência nos mais diversos entes da Administração Pùblica no que diz respeito à compra de equipamentos elétricos. Enquanto não surgir critério ou meio comprovadamente mais capaz de aferir a qualidade de semelhantes produtos, o Selo Procel deve continuar a ser exigido pelos entes licitantes.
Dr. GUILHERME CAVALCANTI
OAB/RS 102.543
EQUIPE: LICIJUR